“Em
verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim fará também as obras que
eu faço e outras maiores fará, porque eu vou para junto do Pai (João 14.12)
Este
versículo é difícil de se compreender porque parece prometer que seus
discípulos seriam capazes de realizar os milagres que Ele realizou, e até mesmo
maiores, se somente cressem nEle. Entender o real sentido desta passagem é
crucial pois ela tem sido MUITO MAL usada.
Será
que no texto as “obras” são os milagres físicos realizados por Jesus?
Acredito que não! Pois, apesar desta interpretação parecer bastante natural e ser
aceita por muitos, ainda assim tem várias dificuldades bastante óbvias ao
pararmos para analisar. Apesar dos milagres que realizaram, nem um dos
apóstolos, que foram os cristãos mais próximos de Cristo, parecem ter chegado
perto de superar os feitos de Jesus, nem em número e nem em natureza. Jesus
andou sobre as águas, transformou água em vinho, acalmou tempestades e suas
curas, segundo os Evangelhos, atingiram multidões. Porém, não parece que os
apóstolos, descritos no livro de Atos, suplantaram o Mestre neste ponto.
Segundo, a História da Igreja não há registro da existência de homens que
tivessem os mesmos dons miraculosos e de Cristo e que tenham realizado milagres
ao menos parecidos com os de Jesus.
Mas,
e se estas “obras” se referirem ao avanço do Reino de Deus no mundo? Em
meu entendimento Jesus se referia a obra de salvação dos pecadores, na qual,
obviamente, milagres poderiam ocorrer. Os principais argumentos em favor desta
interpretação são estes:
Notemos
que a expressão “quem crê em mim” é usada consistentemente no Evangelho de João
para se referir aos crentes (Cristãos), em contraste com o mundo secular que
não crê no Messias. Examine as passagens abaixo:
•
Jo 6:35 Declarou-lhes, pois, Jesus: Eu sou o pão da vida; o que vem a mim
jamais terá fome; e o que crê em mim jamais terá sede.
•
Jo 6:47 Em verdade, em verdade vos digo: quem crê em mim tem a vida
eterna.
•
Jo 11:25-26 Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim,
ainda que morra, viverá; e todo o que vive e crê em mim não morrerá,
eternamente. Crês isto?
•
Jo 12:46 Eu vim como luz para o mundo, a fim de que todo aquele que crê
em mim não permaneça nas trevas. Fica claro pelas passagens acima que
aqueles que creem em Jesus são os crentes, e que a fé em questão é a fé
salvadora. Por analogia, a expressão “quem crê em mim” em João 14.12 creio que também
se refere ao cristão comprometido com sua obra de salvação, e não àqueles que
teriam uma “fé forte” e que por isso seriam capazes de manifestar o mesmo poder
de Jesus em realizar milagres – e até de suplantá-lo!
O
termo “obras” referindo-se às atividades de Jesus, é usado no Evangelho de João
para se referir a tudo aquilo que Ele fez, conforme determinado pelo Pai, para
mostrar Sua divindade, para salvar pecadores e para glorificar ao Pai. Veja
estas passagens: Jo 4:34; 5:20,36; 6:28,29; 7:3; 9:3,4; 10:25,32,33,37,38;
14:10,11; 14:12; 15:24; 17:4. O termo “obras” não se refere exclusivamente aos
milagres de Jesus, muito embora em algumas ocorrências os inclua. No contexto
da passagem que estamos examinando, Jesus usa o termo “obras” para se referir
às palavras que Ele tem falado: “Não crês que eu estou no Pai e que o Pai está
em mim? As palavras que eu vos digo não as digo por mim mesmo; mas o Pai, que
permanece em mim, faz as suas obras” (Jo 14.10). É evidente, portanto, que não
se pode entender o termo “obras” em Jo 14.12 como se referindo exclusivamente
aos milagres físicos realizados por Jesus. O termo é muito mais abrangente e se
refere à sua toda atividade terrena realizada com o fim de salvar pecadores:
palavras, atitudes e, sem dúvida, milagres.
A
frase “porque eu vou para junto do Pai” fornece a chave para entender este dito
difícil. Enquanto Jesus estava neste mundo, sua ação salvadora era limitada
pela sua presença física. Seu retorno à presença do Pai significava a expansão
ilimitada do Reino pelo mundo, através do trabalho dos discípulos sob a direção
do Espírito Santo, começando em Jerusalém e até os confins da terra. Como
vimos, as “obras” que Ele realizou não se limitavam apenas aos milagres
físicos, mas incluíam a influência dos mesmos nas pessoas e a pregação do Reino
efetuada por Jesus. Estas obras, porém, estavam limitadas pela Sua presença
física em apenas um único lugar ao mesmo tempo. As “obras maiores” a ser
realizadas pelos que creem devem ser entendidas deste ponto de vista: os
discípulos, através da pregação da Palavra no mundo todo, suplantaram em muito
a área de atuação e influência do Senhor Jesus em seu ministério terreno.
Adotar a interpretação acima não significa dizer que milagres não acontecem
mais hoje. Estou convencido de que eles acontecem e que estão implícitos neste
dito do Senhor Jesus. Entretanto, eles ocorrem como parte da obra de expansão
do Reino, segundo a vontade e direção de Deus em nossas vidas.
Jesus,
portanto, não está prometendo que qualquer crente que tenha fé suficiente será
capaz de realizar os mesmos milagres que Jesus realizou e ainda maiores – a
Escritura, a História e a realidade cotidiana estão aí para contestar esta
interpretação – e sim que a Igreja seria capaz de avançar o Reino de Deus de
uma forma que em muito suplantaria o que Jesus fez em seu tempo. Os milagres
certamente estariam e estão presentes, dependendo da fé de alguns, e não por
mãos de pretensos "iluminados", ou auto proclamados apóstolos e
obreiros superpoderosos, mas como resposta do Cristo exaltado e glorificado às
orações de seu povo.
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